Por Emile Ribeiro e Beatriz Prates
O 15° colóquio internacional de direitos humanos aconteceu entre os dias 1 e 6 de outubro deste ano e teve como tema ” Direitos Humanos, crise ou transição?”. Propunha aos mais de 80 ativistas e agentes de transformação social participantes, de 27 países, que discutissem acerca do papel do movimento na dada conjuntura e, coletivamente, pensassem em formas de solucionar as questões mais incômodas no dia- a- dia das instituições que participam. Desde 2001, a Conectas organiza este que é um dos encontros de direitos humanos mais importantes do mundo. A partir de 2015 passou a acontecer bienalmente e a contar com outras organizações na execução. Em 2017 teve apoio do Centro de Direitos Humanos da Universidade de Pretória (África do Sul), Forum Asia (Tailândia) e Dejusticia (Colômbia). A equipe da Conectas é auxiliada por uma equipe de monitores voluntários antes e durante o colóquio. Este ano, o grupo foi composto por estudantes de Relações Internacionais, Direito, Administração Pública na organização e Jornalismo na cobertura do evento. Um colóquio nada mais é que um encontro, uma conferência entre duas ou mais pessoas que se reúnem para discutir determinado assunto. O que fez deste especial foi a diversidade de pessoas presentes. Representantes de ONGs internacionais, integrantes de coletivos independentes, homens, mulheres cisgênero, transgênero, negros, brancos, indígenas, jovens, idosos e mais. Todos juntos integrando e enriquecendo o encontro, expondo a situação de seu país, transmitindo conhecimento e ajudando a pensar nas questões uns dos outros, que ainda que trazidas do outro lado do mundo partilhavam problemas em comum, como a dificuldade de conseguir recursos, o encolhimento do espaço cívico para atuação e perseguição, em algum nível, aos ativistas. Tudo foi estabelecido de modo com que os participantes deveras tivessem contato com a cidade de São Paulo, não só se limitassem a experiência de estar no hotel e em um auditório. Nos dias antecedentes ao colóquio os membros da Conectas deixaram muito claro que o objetivo era fazer da experiência a mais completa, por isso seria diferente, os trajetos de em média um quilômetro foram todos realizados a pé, proporcionando aos participantes que fossem do hotel à universidade (FGV), onde ocorreu a maioria das atividades, caminhando, conversando e conhecendo São Paulo. No primeiro dia de colóquio os participantes foram divididos em dois grupos, uma parte participava da oficina de escrita para a SUR, revista de direitos humanos da Conectas, e a outra visitava o museu da imigração, na zona leste da cidade. Ao findar a visita, todos se reuniram no jardim do museu para serem contemplados com a música da orquestra Mundana Refugi, composta por brasileiros e refugiados de outras nacionalidades. Dentre os bons momentos, um dos mais graciosos deu- se enquanto os músicos agradeciam ao público pelos aplausos e diziam seus nomes e nacionalidades. Ao Leonardo Matumona dizer que era do Congo, uma criança congolesa, que brincava no jardim reagiu, subitamente, muito feliz por ter alguém da mesma nacionalidade que a sua, ainda que tão longe de casa. No dia seguinte, destaque para a fala de Raull Santiago, do Coletivo Papo Reto, durante a mesa que discutiu o contexto global e seus impactos nos direitos humanos, composta também por Sonia Correia (Sexuality Policy Watch) e César Rodrigues-Garavito (Dejusticia). Santiago relatou que a única política pública que alcança as comunidades é a polícia. O diálogo com o governo, segundo ele, é realizado por intermédio de “policiais com fuzis”, devido a guerra às drogas, que para o ativista tem recorte muito evidente: é contra pobres, principalmente os negros. O Papo Reto utiliza as redes sociais para denunciar os abusos cometidos pela polícia no Complexo do Alemão (RJ). Os vídeos tendem a ser usados como provas jurídicas no caso das violações de direitos. O mesmo faz o DefeZap, também presente. A organização expõe a realidade diária do Complexo do Alemão, que, destaca Santiago: “não é só coisa ruim, as pessoas usam metodologias incríveis para sobreviver”. O laboratório de direitos humanos aconteceu no terceiro dia de programação e tinha como proposta trabalhar no estudo e resolução de problemas por meio do método “Human Centered Design”, que coloca a comunidade no centro da perspectiva. Segundo a facilitadora que aplicou a atividade “A ideia é identificar a raiz dos desafios e mapear os problemas decorrentes deles”. Os participantes foram divididos em grupos, normalmente por língua, português, inglês ou espanhol, as três línguas oficiais do colóquio, e, juntos formulavam mapas, faziam anotações de modo a chegar na raiz dos problemas vividos em suas instituições, para assim trabalhar na solução. Tal formato pareceu render bons frutos. A pluralidade presente em um pequeno grupo de cinco pessoas, por exemplo, era impressionante. Estiveram presentes tanto uma liderança indígena do Acre quanto um ativista rapper luso- angolano e ainda assim encontravam similaridades em suas lutas de modo a contribuir na busca por resoluções, como propunha a atividade. No mesmo dia aconteceram três oficinas de segurança holística, simultaneamente, segurança física para os anglófonos, segurança digital para os hispanófonos e para os lusófonos segurança mental. As oficinas contaram com facilitadores aplicando a atividade, que tinha como objetivo ajudar os defensores de direitos humanos a resguardar suas integridades. Visto que, alguns deles, só por estarem alí já corriam risco de serem perseguidos pelos governos de seus países quando retornassem. Além do museu da imigração, que mostra como São Paulo foi construída por mão de obra migrante, visitamos o museu da resistência, muito simbólico na luta pelos direitos humanos por ter feito parte do conjunto do DEOSP/SP. Lá ficaram encarcerados os presos políticos durante a ditadura militar brasileira. Neste local prestigiamos um debate acerca da situação dos defensores de direitos humanos nas Américas, mas especialmente no Brasil, com a presença de Michel Forst- Relator Especial da ONU para os defensores de direitos humanos, Átila Roque- Fundação Ford, Rafael Custódio- Conectas, Sandra Carvalho- Justiça Global, Ubirajara Sompre-Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira e Sueli Carneiro- Géledes Instituto da Mulher Negra. Para Sueli, não é possível entender os padrões de violação no Brasil, sem fazer um recorte de raça. Átila Roque concordou e destacou a forma como as estruturas estão organizadas tendem à manutenção dos privilégios de alguns em detrimento dos direitos de outros – entendamos “outros” por pobres, negros ou indígenas, sempre. Sandra Carvalho enfatizou também o machismo e como este limita a conquista de direitos das mulheres. Legitimando a fala dos colegas, Rafael Custódio, coordenador do programa de Justiça da Conectas acrescentou que “o poder judiciário é branco, o Ministério Público também segue essa linha, e são estes que julgam os negros e os pobres. Precisamos responsabilizar o sistema de justiça brasileiro por essa violência também”. Certamente um dos – tantos- momentos mais emocionantes do colóquio. O colóquio enquanto ideia e principalmente a 15° edição do encontro se relaciona com PET-RI da PUC-SP quando se disponibiliza a analisar, discutir, pesquisar e buscar soluções para as questões recorrentes que tangenciam os direitos humanos, violência e segurança em âmbito doméstico e internacional. Como visto durante o colóquio, os três estão intrinsecamente relacionados, quando ocorre uma violação de direito a um cidadão é evidente que o Estado usa de violência. A criminalização do feminismo na China, a perseguição aos manifestantes no Egito, a ditadura na Angola e a guerra às drogas no Brasil, evidencia que embora distantes temos demandas parecidas e Ishtar Lakhani, defensora dos direitos das trabalhadoras do sexo na África no Sul, compartilhou com todos que embora sejam temas densos são possíveis de serem trabalhados de forma criativa. As pessoas que organizam o colóquio são incríveis, além de muito competentes são doces e francas. Aprender pelo exemplo é, com certeza, a melhor forma de aprender. A equipe de monitores esteve sempre muito integrada, ajudando um ao outro o tempo todo, fosse com os idiomas, já que havia uma peruana, um camaronês e um angolano compondo a equipe, fosse com o deslocamento dos participantes ou alguma necessidade específica de algum deles. Foi feito o máximo esforço para que todos se sentissem em casa no Brasil. Em suma, o colóquio foi um sucesso, alianças foram formadas, amizades feitas, projetos apresentados, algumas angústias desoprimidas e principalmente muita experiência e esperança compartilhada. As boas- vindas dadas por Juana Kweitel, diretora- executiva da Conectas, na abertura do colóquio, onde dizia querer que “[…] o colóquio seja um momento de renovar as esperanças e visualizar o mundo que queremos, nós temos à porta o impacto em massa, mas acreditamos nas micro resistências” harmonizou perfeitamente com a velha guarda da Vai-Vai cantando no encerramento, o hino de João Bosco e Aldir Blanc durante a ditadura: ” A esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar”.
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